Eu, Ayrton Lolô Cornelsen, fui testemunha ocular da implantação do Plano Agache em Curitiba. Era um gurizão, jogava no Atlético Paranaense como lateral-esquerdo e cursava, ao mesmo tempo, a cadeira de Engenharia e Arquitetura na Universidade do Paraná. Tudo isso em 1943. E foi por causa do Atlético que eu fui contratado para trabalhar na Prefeitura de Curitiba.O prefeito de nossa cidade, Rozaldo Mello Leitão (1940-43), era um atleticano fanático, ia a todos os jogos na Baixada, e lá me conheceu e me levou para estagiar na pasta de Viação e Obras. Fui apresentado e integrado à equipe do urbanista Alfred Agache. Mal sabia que esse fato mudaria minha vida. O Interventor do Paraná, Manoel Ribas (1937-45), em 1940, para resolver os problemas estruturais de Curitiba, na época com 120.000 habitantes, e preparar a capital para os festejos dos seus 250 anos, contratou a firma de engenharia Coimbra Bueno & Cia. Ltda, que participara das obras da construção da capital do estado de Goiás, Goiânia. Abelardo e Jeronymo Coimbra Bueno (os “irmãos Bueno”, como eram conhecidos) encarregaram ao urbanista francês (membro da Société Française des Urbanistes e criador do termo urbanismo) Donat-Alfred Agache a elaboração de um plano similar das cidades do Rio de Janeiro, de São Paulo, Porto Alegre e de Santos. O Plano Agache (1943), como seria denominado posteriormente, representou a primeira tentativa de ordenação da cidade vista como um conjunto.
o interventor Manoel Ribas vistoria projetos do urbanista Alfred Agache ( no Palácio São Francisco em 23 de outubro de 1943. |
O urbanista Alfred Agache (tirando os oculos da lapela, à direita do Interventor Manoel Ribas) no Palácio São Francisco em 23 de outubro de 1943. |
O PLANO AGACHE
A principal meta do Plano Agache era resolver o grave problema de Curitiba ter um centro com tendência ao congestionamento e às enchentes devido aos cursos d´água, motivadores ainda de endemias. O centro era formado por verdadeiros caminhos medievais, como se referiu Agache, distorções que afetavam todo o sistema viário e os meios de transporte curitibanos. Lembro-me que, em uma das reuniões técnicas de Agache, ele trouxe uma pesquisa sobre as características populacionais de Curitiba. Foi a primeira vez que tive contato com tal coisa. Agache explanou que a tendência de nossa cidade era de rápido desenvolvimento, com geração de riquezas bem distribuídas, com poucas possibilidades de formação de bolsões de pobreza que ocorrera na capital federal, Rio de Janeiro. Explicou que por nossa formação étnica européia (alemães, italianos e poloneses), com nivel de educação elevado e com grande dedicação ao trabalho, Curitiba teria que inevitavelmente preparar sua malha viária pra atender um tráfego intenso de automóveis. Sim, Agache previu com exatidão que, em nossa capital, a população possuiria de um a dois carros por família. E que essa concentração de automóveis exigiria ruas largas, de alta velocidade de escoamento, sem empicilhos como cruzamentos curtos e entrecortados, e permitissem o deslocamento do centro para os bairros. Nasceram dessas premissas, as nossas famosas conectoras e as perimetrais (hoje, conhecidas também como as vias expressas ou rápidas). Agache projetou o crescimento de Curitiba rumo aos bairros, liberando o centro curitibano apenas para o comércio e o lazer (centro de eventos: teatros, cinemas, etc.). As avenidas de ligação, desde que dessem rápido acesso bairro-centro, seriam um fator de atração para a urbanização da periferia, pois os trabalhadores chegariam ao centro por meio de um sistema geral de transporte de massa.
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AS SOLUÇÕES DO PLANO AGACHE PARA CURITIBA
As soluções aplicadas para o urbanismo de Curitiba seguiram às seguintes prioridades:
1. saneamento: drenagem dos banhados, canalização dos rios e ribeirões e construção da rede de abastecimento de água e coletora de esgotos;
2. descongestionamento das vias urbanas do centro da cidade e criação das perimetrais externas (0, 1, 2 e 3);
3. disposição de órgãos públicos. Projeto de construção de um Centro Cívico (na área do atual) destinado às atividades administrativas, criação de um centro comercial, de um centro militar (Bacacheri) e de uma cidade universitária (Centro Politécnico) na periferia da cidade.
4. criação de áreas verdes e arborização: parques na periferia da cidade e a criação de um horto municipal;
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• AVENIDAS PERIMETRAIS; • AVENIDAS DE APOIO (AD, RP, RS) • AVENIDA PARQUE (AP 3), ligando todos os centros recreativos-culturais, os parques, a cidade universitária e os lagos (na saída de Campo Largo e na estrada do Cerne, com represamentos no Barigui). | |
Sistema Radial proposto e desenhado por Agache, 1943. |
Visão geral do esquema do planejamento viário de Curitiba. A avenida perimetral 3, última linha, desse sistema de círculos concêntricos, era a avenida-parque que ligava parques, bosques, barragens e a parte cultural de Curitiba. Em uma de suas palestras, presenciei como Agache via Curitiba, como analisava o centro da cidade, o diagnóstico de circulação; citou também que as avenidas perimetrais cumpriam papel fundamental de disciplinar o trafego, as conectoras, radiais, o terminal de massa metropolitano, etc. etc. - depoimento de Lolô Cornelsen. |
Av. Candido Abreu, 1943. |
Assim, Agache planejou a construção de grandes avenidas sem interferências - conectoras e perimetrais - para o escoamento rápido centro-bairros e bairros-bairros. Projetaram-se no sentido nascente-poente as avenidas:
- Visconde de Guarapuava;
- 7 de setembro;
- Silva Jardim;
- Getúlio Vargas.
Elas tinham a função de escoamento rápido da porta da Rodoferroviária (também projetada por Agache), interligando todo um sistema de distribuição metropolitano (a população da periferia).
O Plano Agache concebeu o Centro Cívico como “uma praça de características especiais, dos edifícios destinados aos altos órgãos da administração Estadual que, além da função de centro de comando, pudesse bem denominar-se como sendo a “sala de visita da cidade”, apresentando um conjunto de arquitetura especial em harmonia com o tratamento paisagístico da ampla praça central”. |
Elaborado em dois anos (1941-1943), o Plano Agache foi entregue na gestão do prefeito engenheiro Alexandre Beltrão (1943-44). Abaixo, alguns pontos de destaque do projeto:
- as grandes avenidas, como a Visconde de Guarapuava, Marechal Floriano Peixoto e Sete de Setembro;
- as galerias pluviais da Rua XV de Novembro;
- o recuo obrigatório de cinco metros para novas construções;
- a Zona Industrial, atrás da Estação Ferroviária;
- a previsão de áreas para o Centro Cívico e o Centro Politécnico;
- o Mercado Municipal.
A TIMES SQUARE CURITIBANA - O MARCO ZERO DA CIDADE
Pela semelhança com Nova Iorque, Agache projetou para o centro curitibano uma Times Square, formando um sistema de lazer e comércio entrecortado pelas principais vias centrais da capital. Com a retificação do Rio Ivo, surgiu a Avenida Canal (denominação do Plano Agache), hoje Fernando Moreira, que se juntava com as ruas Carlos de Carvalho, Vicente Machado, Comendador Araujo desembocando todas na rua Candido Lopes. Quem seguisse pela Cândido Lopes teria em sua abertura, como pano de fundo, a Universidade do Paraná, situada entre a travessa Bufren, Amintas de Barros e Rua Xv de Novembro, com abertura total até a Estrada das Praias.
Implantação da Times Square de Nova Iorque. | Os prédios com 10 pavimentos no máximo. |
Ponto nevrálgico da Times Square curitibana, cruzamento das ruas Carlos de Carvalho e a Cândido Lopes |
Obras Estruturais do Centro
Com todas as áreas estavam desapropriadas, com dotação orçamentária fixada pelo Interventor Manoel Ribas e executada pelo primeiro governo Lupion (1946-51) as obras mais urgentes eram:
- alargamento da rua Marechal Floriano atingiram o ponto 0 do centro curitibano - a Praça Tiradentes - encontrando-se com a rua Barão do Cerro Azul.
- alargamento da conectora norte-sul, a rua Desembargador Motta do alto das Merces até o encontro com as estradas da saída para o sul.
- implantação da conectora do centro viário, a rua Mariano Torres, que daria vazão ao fluxo Santa Catarina-São Paulo via Juvevê e Avenida Paraná.
- prolongamento da Praça Santos Andrade até a praça de frente ao atual Circulo Militar.
mapa de toda a extensão das obras do plano agache para o centro de Curitiba. AV: é a avenida central Cândido Lopes. |
Os principais desvios na implantação do plano agache
As principais deformações na implantação do Plano Agache começaram na gestão do governador Bento Munhoz da Rocha (1951-56) e nas administrações municipais de Erasto Gaetner (1951-53), Dr. José Luis Guerra Rêgo (1953-54), dos militares Ney Braga (1954-58) e Iberê de Mattos (1958-61). Eles foram os responsáveis por obras que praticamente inviabilizaram uma das maiores conquistas do Plano Agache: o desbloqueamento das vias centrais de Curitiba.
Vista aérea da área central de Curitiba, 1953. 1 - Corpo de Bombeiros desapropriado - futuro Banco do Brasil |
2 - Teatro Glória - desapropriado |
3 - Localidade desapropriada - futura Biblioteca Pública |
Para completar o escoamento da eixo leste-oeste, Agache planejara a construção, aonde se localiza atualmente o Teatro Guaira, de uma grande avenida, entre a Amintas de Barros e a rua XV, até a estrada das Praias, hoje conhecida como BR-277. É preciso notar que toda a área dessa nova conectora era formada por terrenos baldios e estava desapropriada. Porém, ignorando os projetos viários centrais do Plano Agache, mesmo com todos os serviços de desapropriação prontos, os administradores paranaenses liberaram a construção de prédios que inviabilizaram a implantação ideal do sistema de circulação. A construção da Biblioteca Pública do Paraná, iniciada em 1953, na área desapropriada do Corpo de Bombeiros, bloqueou a implantação da grande conectora da rua Cândido Lopes, impedindo definitivamente as vias de escoamento do tráfego central de Curitiba. Vejamos detalhadamente cada caso:
o edifício Brasilino Moura (o Balança mas não cai) bloqueou o alargamento da rua Cândido Lopes | Construção da Biblioteca Pública no terreno do antigo Corpo de Bombeiros da rua Carlos Cavalcanti, 1953. |
Bloqueio causado pelo Banco Brasil, inaugurado em 1960. |
Teatro Municipal de Curitiba
Agache planejou o Teatro Oficial do Paraná para a praça Rui Barbosa. O governador Moysés Lupion realizou um concurso público para escolher o projeto, e ainda em seu governo (1947-51) foram feitas as obras de fundação do prédio. Mas, o governador Bento Munhoz ignorou tal feito e, com apoio do então prefeito Erasto Gaetner, deslocou o projeto da Rui Barbosa para a praça Santos Andrade, com uma nova concepção arquitetônica (escolheu-se um projeto modernista de Rubens Meister). Porém, a instalação do Teatro Guaira na praça Santos Andrade trouxe conseqüências negativas que nos atingem até hoje, senão vejamos:
- não tinha vias de acesso;
- não tinha estacionamento para os seus freqüentadores
- bloqueava a construção do eixo oeste-leste (já desapropriado).
O deslocamento do Teatro Oficial da Praça Rui Barbosa para a Santos Andrade causou danos no escoamento do eixo leste-oeste. O Teatro Guaíra construído sem estacionamento agravou a concentração de prédios públicos de grande atração populacional. Na mesma quadra, temos os Correios, a Universidade Federal do Paraná e o INSS. Foto montagem do Teatro Guaira, projeto de Rubens Meister, 1953. |
Terminal rodoviário metropolitano do guadalupe
Contrariando as diretrizes do plano Agache, o prefeito Capitão Ney Braga implantou o terminal rodoviário de ônibus na praça central do Guadalupe, agravando o já congestionado tráfego da região central de Curitiba. Agache planejara o terminal junto à estação rodoferroviária, apenas 4 quadras abaixo, onde era abastecida por amplas conectoras como a Visconde de Guarapuava, Sete de Setembro e Av. Iguaçu. Não satisfeito com o Terminal no Guadalupe, Ney Braga permitiu ainda a construção da Igreja ao lado do terminal, criando mais um pólo de atração de pessoas e automóveis (nota-se que floresceu um comércio no entorno da Igreja).
A inauguração em maio de 1958 do Terminal rodoviário do Guadalupe pelo prefeito Ney Braga aumentou a concentração de ônibus e pessoas em uma área de difícil escoamento de tráfego. |
A rodoviária e o monumental viaduto do Capanema segundo projeto Agache, previsto para 4 quadras do Terminal Guadalupe. |
BLOQUEIO DA AV. MARECHAL DEODORO COM A MARIANO TORRES
O prefeito Gal. Iberê de Mattos (1958-1961) bloqueou a avenida Mal. Deodoro junto à esquina da rua Mariano Torres quando permitiu a construção de um edifício de 22 andares. O prédio inviabilizou o alargamento da avenida, impedindo de se concretizar uma grande conectora leste-oeste.
RUA DESEMBARGADOR MOTTA
A rua desembargador Motta foi projetada para ser uma grande conectora de escoamento do eixo norte-sul, uma pista larga, com capacidade para 8 faixas. Hoje, podemos ver ainda algumas dessas faixas instaladas como estacionamento na altura da praça da Espanha. A sua implantação foi abortada por interesses imobiliários, como a construção do Shopping Curitiba, que não respeitaram o recuo planejado.
Recuo observado da Desembargador Motta na altura com a rua Julia Wanderley. O alargamento previsto por Agache permitiria uma avenida de grande capacidade para o escoamento do eixo norte-sul. |
Ao fundo da foto, vemos o recuo sendo invadido por novas construções! |
o shopping Curitiba além de não respeitar o recuo previsto, ainda se reserva ao direito de assumir uma pista da rua. | |
A FASE DOS NOTÁVEIS DO IPPUC E URBS
Passaremos a falar da fase de ouro do urbanismo curitibano, a dos notáveis do IPPUC e URBS e suas ações. Já sob o regime militar foi instituído a Lei nº 2828/66, que aprovou as Diretrizes Básicas do terceiro Plano Diretor, para orientação e controle do desenvolvimento integrado do Município, que se consolidou na década de 1970.
Curitiba era cidade pacata, simples formada por etnias de alemães, italianos, poloneses, ucranianos, árabes, judeus. Tínhamos uma população supercontrolada, entre 300 a 350 mil habitantes. Agache havia previsto uma população, na virada do século, próxima de 800 mil. Como é de nosso conhecimento, isso não aconteceu. Curitiba atravessou o século com mais de 1.500.000 habitantes. Vocês podem perguntar: por que esse erro gritante?! O principal motivo foi a propaganda irresponsável de nossos alcaides, que apregoou uma terra de riquezas e oportunidades, atraindo migrantes e imigrantes de toda parte. Resultado da incapacidade de manejamento administrativo e político, esse processo se iniciou nos inícios dos anos 1970, quando o então governador biônico Haroldo Leão Peres escolheu, no quadro funcional da prefeitura, o novo prefeito. Sem ter qualquer histórico que justificasse a posição de autoridade máxima de nossa capital, o novo alcaide não tinha projeto, não tinha experiência para comandar uma cidade em acelerado desenvolvimento, que precisava atender as demandas de um crescimento desordenado. Ao assumir a prefeitura, ele não encontrou voz ativa de oposição (estávamos sob regime de exceção), nem vereadores para o controle e fiscalização de seus atos, funções sadias para a democracia.
MONTAGEM DE UMA EQUIPE
A montagem seguiu uma receita simples e compunha-se de:
1 chefe
1 pesquisador imobiliário
1 homem de marketing (de reconhecido valor)
1 tesoureiro competente.
Enfim, como vemos, uma equipe enxuta. A ela, somou-se a criação de um serviço burocrático, adequado aos novos tempos. Surgiram então os órgãos URBS, IPPUC para viabilizarem as idéias inovadoras e para solidificarem uma nova estrutura de poder, independente dos serviços reguladores municipais. Eis os elementos essenciais do podemos chamar do grande cartel de Curitiba. São mais de 30 anos, seguindo a mesma linha de pensamento, sem dar oportunidades aos novos talentos emergentes; sem dar espaço para novas concepções de urbanismo e arquitetura.
A maior obra desses órgãos foi a criação de uma grife para Curitiba, conhecida nacionalmente. A âncora dessa campanha foi o calçadão da Rua XV, criado para representar um propalado caráter de liberdade ao pedestre, empreendido por um urbanista, administrador moderno e atento as novidades do primeiro mundo.
A modificação estrutural com a introdução de bancas, indicadores, cadeiras e mesas atraíram desocupados, que trouxeram uma imagem negativa para os turistas. Com a proibição do trânsito e a falta de estacionamentos, a Rua XV, a pérola do novo plano urbanístico de Curitiba, a maior criação do IPPUC, não demorou a cair na realidade. Foi iminente o desaparecimento do charme curitibano, principalmente pela falência do grande comércio. Desapareceram as lojas requintadas e estabelecimentos nobres, históricos: o Grande Hotel Moderno, a Casa Roscamp, a Perfumaria Lá no LHUM, a riquíssima Joalheria Kopp, o famoso Bar Paraná, o Senadinho, a Confeitaria Schaeffer e seus famosos Chá das 4, a Casa Louvre, Casa Metal, Café Alvorada, Clube Curitibano, Confeitaria Guairacá, Cine Teatro Avenida e tantos outros... Estes comércios deram lugar às lojinhas de pequeno porte de mercadorias de baixo custo. Os pedestres começaram a dividir espaços com desocupados, com propagandistas, com artistas mambembes, estátuas vivas, oil man, palhaços, engraxates, tocadores de viola (o Pla não até hoje...), com o matador de gatos (aquele da caixa), neo-hippies, religiosos e não posso deixar de falar, já que passo diariamente pela XV do incômodo Sombra.
Essas dificuldades foram notadas pelo poder público, que procurou combater os problemas relatados acima. Além de se fazer mais propaganda, surgiram então as famosas revitalizações do calçadão da XV. A ineficiência desses processos se refletiu nas constantes mudanças de chefia, tanto do IPPUC quanto da URBS, sem que alterasse a ideologia imposta pelo alcaide.
Um desses notáveis veio à imprensa informar que viajaria ao primeiro mundo para comparar e formular parâmetros para a revitalização do calçadão. Porém, o que vimos foi um rodízio de slogans RUA DAS FLORES, RUA DO INVERNO (uma área projetada entre as ruas DR. Muricy e Mal. Floriano que receberia um mini-shopping com 54 lojas, de tubos metálicos, cobertos em fibra de vidro em formato retangular; tudo isso ficou só nas pranchetas, graças a deus, pois senão teríamos mais um abrigo para desocupados).
As revitalizações continuaram. Surgiu o slogan CURITIBA CAPITAL DO NATAL, campanha natalina, na qual que o IPPUC fechou a Mar. Floriano em seu ponto mais crítico, afetando todo o trânsito central, para plantar uma a árvore de natal. O projeto se realizou uma única vez, é claro!
Essas revitalizações, pelo menos em sua maior parte, surgiram ao mesmo tempo em que se disputavam as eleições municipais. A última curiosamente se deu com a colaboração da Associação Comercial do Paraná, que há muito quer recuperar a riqueza do comércio da rua XV. O fato notável dessa campanha, porém, foi a criação da “FONTE DA JUVENTUDE”, um obstáculo a mais na já combalida liberdade de passagem da rua XV.
Mas, os vícios continuaram: mudam-se apenas a coméstica. Tiram-se bancos, põem-se bancos, muda-se o lay-out das banquinhas, pintam-se janelas, colocam-se placas, iluminárias, mas nada muda. Não atacam nunca o que se deve mudar! Para que se atinja a meta que a Associação Comercial do Paraná tanto anseia, os trabalhos têm de ser objetivos, abordando o maior problema da Rua XV: o cruzamento de carros pelas ruas, dando maior liberdade para o tráfego central e a liberdade de trânsito dos pedestres pelo calçadão. Não bastassem esses fatos, os órgãos IPPUC e URBS implantaram um “novo sistema viário” como se fosse criação apenas de suas pranchetas, embora tudo o que fora proposto estivesse nos arquivos do Plano Agache. Como não citar o caso das famosas CONECTORAS. Agache planejou vias para desafogar o tráfego leve e pesado do centro da cidade rumo aos bairros que permitissem em suas laterais a ocupação imobiliária com densidade moderada, com no máximo 4 pavimentos. Mas, o que se deu com o “novo plano” do IPPUC, ainda no arrepio da ditadura, foi chocante. Antes mesmo de sua implantação, as diretrizes das conectoras já tinham sido objeto de especulação pelo atento e bem informado setor imobiliário. Aonde estava previsto a implantação de edifícios com 4 pavimentos, os notáveis inovaram o cálculo de ocupação, permitindo o uso do terreno de acordo com a multiplicação de 4,5 até 6 vezes de sua área. Foi preciso mudar o plano diretor da cidade; criou-se em seguida o Patrimônio Histórico de Curitiba. Novamente, o setor imobiliário, bem informado e ajustado aos novos tempos, modificou astutamente as características de alguns prédios históricos de grande interesse estratégico-financeiro. Ao descaracterizar as suas construções, antes da implantação da nova lei, puderam usa-los da melhor forma possível. Vamos ilustrar os principais episódios desse atentado ao nosso patrimônio arquitetônico:
PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO - HISTÓRIA DE FACHADA
SHOPPING MULLER: baseado na tradicional Fundição Muller, indústria metalúrgica, foi o caso mais indecoroso e que ainda está em ação de descaso com a preservação histórica de nossos prédios. Não satisfeitos em não respeitar os traços históricos do prédio, os notáveis do IPPUC permitiram aos patrícios do chefe toda a liberdade para realizar uma nova obra sobre a base da antiga fábrica.
A fachada da antiga fundição Muller suporta dois novos pisos, desconhecidos da planta original. Observe-se que há um tunel ligando o prédio ao estacionamento na margem direita da av. Mateus Leme (foto 2). |
INVASÃO DE ESPAÇOS
Permitiu-se a invasão no espaço público de ambos os lados do prédio, usando até 50% da faixa, pela rua Mateus Leme. O shopping teve ainda o privilégio de pista lateral fechada e exclusiva para estacionamento e para apoio privativo de táxis, além de um passeio com parada exclusiva para os ônibus, agora na avenida Candido de Abreu.
Hoje vemos a finalização de um novo insulto ao patrimônio histórico da Fundição Muller em Curitiba. A obra que já tinha sido descaracterizada pela construção de um "caixote preto" (vejam um edifício tombado por lei), recebeu a implantação (é um verdade implante) de um estacionamento em seu piso superior, sobre o chapéu preto, e de um caixão de concreto que serve de cinema do shopping.
Contudo, o que mais choca é que em todo esse processo não houve quem tivesse força para interpelar as obras de tamanha aberração arquitetônica. Cabe perguntar: aonde está a força dos Institutos de Arquitetura e de Engenharia? O que o CREA-PR fez? Nada. Pelo contrário, à força de menosprezar a autoridade pública, os notáveis liberaram a construção de uma passarela cortando a rua Mateus Leme para ligar o shopping a um estacionamento.
Outros exemplos de desmandos estão espalhados pela cidade, vemos construções históricas preservadas apenas em sua casca. Vejam obras recentes, visitem o shopping Curitiba, a sociedade Juventus, o Museu do Davi Carneiro e constatarão tudo o que tenho dito.
MUSEU DAVID CARNEIRO
A Casquinha Histórica, só a fachada é preservada. |
CLUBE JUVENTUS
a área preservada do Clube Juventus, rua Carlos de Carvalho, é menor do que a do David Carneiro. |
Exemplo de como um prédio foi preservado em sua totalidade, ao lado do Clube Juventus. O edíficio foi construído atrás do predio. A casa da historiadora Mariana Coelho. Administração de Maurício Fruet. |
3ª PARTE: APONTAMENTOS PARA O URBANISMO DE CURITIBA
Curitiba nos possibilita a implantação de projetos que poderão melhorar o dia-dia de nossa grande comunidade. Nota-se que os projetos que apresentaremos são funcionais, baseados em mão de obra e tecnologia locais, de curto prazo de implantação (no máximo 2 anos), o que reduz os custos socioeconômicos e diminui os impactos sobre a rotina da cidade. Vamos começar por um projeto que nos equiparará às grandes cidades do mundo civilizado, no que diz respeito ao subsolo. Seguindo os exemplos de padronização europeus e norte-americano de uso do subsolo, Curitiba evitará os transtornos causados pelas constantes obras da Sanepar, da Compagás, da Brasil Telecom, enfim, de todas empresas que, individual e aleatoriamente, criam caminhos subterrâneos para conduzir suas funcionalidades.
A falta de regras para o uso de subsolo causa o transtorno de cada empresa escolher o local de seu buraco. | |
DISCIPLINAMENTO E ALINHAMENTO
Com a adoção obrigatória de uma caixa compartilhada de funções, haverá uma otimização dos serviços de reparo e/ou instalação, gerando economia de tempo e dinheiro, com menos poluição, transtornos e acidentes. A prefeitura se encarregará de fazer um mapa dos serviços subterrâneos, facilitando o dia-a-dia das companhias que mais empregam e atendem nossa cidade.
caixa geral compartilhada - esquema geral de distribuição |
PARQUEAMENTO SUBTERRÂNEO
Este projeto visa encontrar soluções para o problema da díficil situação de estacionamento que se verifica na região central de Curitiba. Grandes instalações foram construídas sem levar em conta onde colocar os carros de seus frequentadores. A Praça Santo Andrade, o Centro Cívico e a Praça Afonso Botelho foram os primeiros locais escolhidos para a implantação de gragem pública subterranea, equipamento que tem a função de desafogar a área central curitibana, contribuindo para o melhor aproveitamento do exíguo espaço. O entendimento das causas e das dificuldades inerentes ao estacionamento em nossa capital poderá preparar-nos para evitar o estrangulamento viário ocorrido nos grandes centros brasileiros como em São Paulo, Belo Horizonte e rio de Janeiro.
PARQUE LINEAR DO IGUAÇU
O PLANO
O parque possui, em seu interior, várias cavas do rio Iguaçu, que atualmente se encontram abandonadas e degradadas pelo assoreamento: um sério caso de subaproveitamento de potencialidades. Utilizando-se de um projeto da extinta Sudesul, de 1985, será possível a recuperação de grande área verde pela união das cavas. Nova área se formará, com grandes lagos artificiais, própria para o lazer, turismo e aproveitamento econômico. Surgirá o Grande Parque do Iguaçu, que pela beleza e pelas alternativas de lazer, será o Parqui Barigui da Região Sul.
CURITIBA DE VOLTA AOS TRILHOS
Contrariando o que foi feito em todas as grandes cidades do mundo, a Prefeitura de Curitiba investiu maciçamente apenas em um tipo de meio de transporte de massa – o rodoviário –, o que gerou superconcentração de ônibus nas áreas centrais da cidade (basta uma greve, para os curitibanos ficarem sem locomoção). Os maiores terminais de transporte coletivo de Curitiba estão em áreas de tráfego intenso, supridas por ruas estreitas em relação à demanda. Em um raio de pouco mais de 1 km, encontram-se praticamente todos os terminais rodoviários da cidade, numa área onde poucas avenidas possuem mais de 16 m de largura. Eis os principais terminais:
| o recorte do mapa da área central demonstra a proximidade dos terminais de passageiros de alta concentração de ônibus. Dois destes, são atendidos por bi-articulados, Praça Rui Barbosa e Carlos Gomes, distantes 3 quadras um do outro. |
Há muito Curitiba possui infraestrutura para receber o trem de superfície. Com uma reestruturação das linhas férreas que cortam a capital paranaense, em todos os eixos, interligando-a aos municípios vizinhos, será implantado um sistema de transporte metropolitano funcional. E o mais importante, sua estruturação independe do projeto em andamento, planejado pelo IPPUC, que visa à instalação dos biarticulados na antiga BR-116, de alto valor financeiro e que agravará o saturamento do sistema viário de Curitiba.
Um estudo feito pela Sudesul, EM 1985, para a região metropolitana de Curitiba, apontou a viabilidade da implantação do Expresso Metropolitano de Curitiba, com aproveitamento racional e intensivo da malha ferroviária federal que interliga as cidades, e que a médio e longo prazo, estender-se-ia por todo o território paranaense. A sua conceituação teve como origem duas observações:
- uma, quanto a extensão;
- outra, quanto a importância socioeconômica dos centros populacionais por ela atingidos no plano urbano, interurbano de nosso estado.
Somatório das extensões: 132 km |
A sua funcionalidade está na intensificação dos índices de aproveitamento das linhas por meio da aquisição de equipamentos reciclados do velho mundo com preços baixos, ou até com permuta de produtos exportáveis, se levarmos em conta realisticamente a situação em que atravessamos.
O sistema metroviário resolverá a complicada situação do sistema de transporte de massa curitibano. Com um terminal de passageiros na Estação Rodoferroviária de Curitiba, – de acordo com o Plano Agache, de 1943 – e a implantação de estações e subterminais em avenidas conectoras ou rápidas, pode-se desativar o tráfego pesado de ônibus nos terminais centrais, causadores dos grandes transtornos, e substituí-lo pelo transporte de apoio, da rodoviária até o centro, feito por microônibus rápidos e leves.
O trem metropolitano integra-se perfeitamente ao sistema atual rodoviário.
O projeto do trem metropolitano aqui proposto é o maior aliado para o bom funcionamento do sistema existente: é uma solução para o problema da exaustão do sistema atual de ônibus e uma alternativa para o usuário, que poderá se locomover pelos dois sistemas – trem e ônibus – por Curitiba e Região Metropolitana, com mais segurança, conforto e economia. Eis um sistema integrado, moderno e funcional, utilizado em todo o mundo.
Projeto ambiental do metrô de superfície convencional
Os curitibanos ganharão em qualidade de vida, pois a cidade terá um transporte que:
SISTEMA DO TREM METROPOLITANO - Linhas Ferroviárias Existentes
total da malha ferroviária interligando a região metropolitana de Curitiba - 102 km
linha vermelha: curitiba - araucária - 38 km
linha verde: curitiba - piraquara - 20 km
linha amarela: curitiba - rio branco - 44 km
Em amarelo reforçado, as conectoras que ligarão os ônibus às estações do trem metropolitano |
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Em amarelo, conectoras atendidas por alimentadores, bi-articulados e ligeirinhos |
PARA FINALIZAR, MEUS CARÍSSIMOS FUTUROS COLEGAS.
Com esse preâmbulo, espero dar perspectiva para rompermos com a normalidade das obras do IPPUC_URBS. Temos que quebrar o gesso das criações dos notáveis, que não passam de cópias mal feitas de obras de países do primeiro mundo (ver o caso do Jardim Botânico, da Rua 24 horas e a Rua XV). Precisamos romper com a mesmice, carregada de OBA, OBA que não atendem as demandas de uma Curitiba que procura novos espaços. Curitiba continua a crescer, por isso novos arquitetos e engenheiros devem se colocar, se movimentar e exigir espaço, aproveitem esse momento para que não fique tudo como antes. Pois, o que será de nossa arquitetura se a fórmula que perdura há 30 anos continuar sobre as mesmas bases?!
O fazer. Eis a lei que rompe os monopólios de pensamento, e que permite o progresso agir livremente. Precisamos implantar o futuro com energia privada! A nossa arquitetura não pode repetir as coisas. Precisa ser emotiva e romântica, ela precisa criar novos ideais; mudar sempre, para assim exaltar a idéia maior de nossa existência: a liberdade!
O momento em que passamos é de mudança. Sei que é difícil pensar em Utopia em tempos de crise, mas mesmo em um contexto tão adverso, não esmoreçam. Elaborem projetos de arquitetura, de engenharia e ousem! Os deuses ideológicos são frutos do homem, de sua arrogância e egoísmo. São fabricados pelo marketing, são produtos nivelados por baixo, que não resistem ao novo e ao passar do tempo. Por isso, é de vocês, jovens, o desenho da nova era. O espírito que dirige e anima a experiência é o da criação. Ela não se restringe aos órgãos públicos. Pesquisar, tentar, enfim, trabalhar é o melhor laboratório para promover o progresso, é o propulsor da mudança.
A luta por espaço pode ser visceral, dura. Não faltarão tropeços nem adversários, mas não desanimem!
A arquitetura não é somente a arte de criar espaços. Mas, a compreensão deles em sua totalidade. O espaço do conforto físico e psicológico. O espaço ordenado de um meio, com uma determinada técnica e um determinado programa, tentando responder às demandas de seu tempo.
Qual é a essência do desenvolvimento?
Qual é a dimensão do homem em relação às suas atividades?
Qual a harmonia seria suficiente?
Que matemática?
Eis os questionamentos que faço em mais de meio século de pesquisas, estudos e projetos. Agora, vocês, estudantes, buscam ensinamentos, pesquisando livros e projetos já executados; outros nem tanto, pois a boa e má arquiteturas coexistem. Sabemos que os que estão começando copiam os bons arquitetos e esses se basearam, quem sabe, na experiência de outros. Mas tudo é arquitetura. Existem contradições ao belo e as formas, mas nada contraria à funcionalidade. Tentem compreender o dom maior da fantasia humana. Sejam uns inspirados. Façam com que as cidades sejam pensadas como um instrumento de emancipação, em cujo plano o homem deve projetar suas edificações em locais apropriados. As formas deverão estar em “função das necessidades”. As formas são o traçado, a imagem e a matemática do homem livre.
Hoje, a cidade cansa ao homem. A cidade é um organismo sempre em movimento, que tudo faz para aniquilar no homem o gosto pela vida, o seu entusiasmo de produzir coisas e o seu desejo de mudar. Portanto, comecem a ser um centro irradiador de novos desejos.
Lolô Cornelsen
Fonte:
Revista Paraná em Páginas
Fotos do semanário de Cid Destefani
Gazeta do Povo
IPPUC – www.ippuc.org.br
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