A partir de 1958, Guaratuba começou a receber atenção especial do DER. Sem ligações rodoviárias, encontrava-se em um completo estado de isolamento com a capital e o interior paranaense. O acesso à cidade se dava apenas por meio de pequenas embarcações afetando negativamente o desenvolvimento da economia municipal. Para o prefeito de Guaratuba, a solução para a falta de estrutura logística se daria pela construção de uma ponte que ligasse a cidade ao balneário de Caiobá, unindo os lados da baía de Guaratuba. O pedido foi feito ao DER, mas estudos realizados pelo órgão afirmaram categoricamente que tal ponte era inviável pela tecnologia a ser empregada e pelos recursos exigidos para a realização da obra.
O autor do projeto, Lolô (terno escuro, à esq e do lado da coluna) e sua equipe analisam o protótipo do Ferry-Boat. o 1º de costas, à direita, com um rolo de papel na mão é o eng. Eurico Macedo |
O diretor geral do DER, Lolô Cornelsen, em uma viagem a Santos, observou que o sistema de ligação marítima local, feito por uma embarcação capaz de transportar caminhão e carros, seria uma boa alternativa para Guaratuba. Determinou ao DER que realizasse os estudos necessários para a implantação do «Ferry-Boat», ligando a rodovia PR-53 - de Alexandra-Caiobá-Porto de Passagem - à PR-54, - de Guaratuba-Garuva, na divisa com o estado de Santa Catarina.
mapa localizando as obras efetuadas pelo DER-Pr entre os anos 1958-60, gestão Lolô Cornelsen |
O resultado da análise comprovou a viabilidade do projeto do diretor-geral: a continuidade do transporte rodoviário entre os dois lados da baía deveria ser feito por meio da embarcação, por diversas razões entre elas:
- a pequena extensão da costa, que torna anti-econômicos os transbordos dos veículos terrestres para as embarcações e destas novamente para aquelas. - a urgência em ligar o transporte de Paranaguá para Guaratuba e de toda a zona litorânea para o Norte do Estado de Santa Catarina (esta se fazia por estradas de rodagem, via Curitiba, alongado o percurso em cerca de 130 quilômetros) - a resolução federal da construção da BR-6 (ligação entre morretes e garuva), que reforçou a adoção do «Ferrv-Boat» | ||
O DER-PR requisitou a compra do «Ferry-Boat» junto ao DAER do Rio Grande do Sul. Entretanto, o governador recem-eleito Leonel Brizola anulou as negociações. Para não atrasar a conclusão das obras de ligação do litoral e por algumas circunstâncias excepcionais, como às enchentes do Vale do Passo do Rio Saí, represado pelas maiores preamares, o DER-PR assumiu os encargos do estabelecimento daquela transposição em «Ferry-Boat» na baía de Guaratuba.
Lolô visita ao Porto do tanino, o ponto zero do início dos trapiches, do lado de Guaratuba, em março de 1959. |
Características do Ferry-Boat, que tinha o formato de caravela | |
Comprimento — 28,50 metros; largura (boca) — 10,00 metros; pontal — 1,70 metros; capacidade para deslocamento em plena carga — 230 toneladas; motor — «MAK» - 240 HP (baixa rotação). Casa de navegação e das máquinas. Abrigo coberto: para três mil passageiros. Transporte: 10 caminhões ou 20 automóveis. Tempo de travessia: 12 a 15 minutos. Partida de 15 em 15 minutos. | |
Lolô projetou a construção de um trapiche em cada lado da baía, dois novos embarcadouros ligados por uma estrada no declive da orla marítima. As faixas escolhidas foram regularmente requeridas ao Patrimônio da União. As obras se justificavam porque a estrada de ligação traria considerável desenvolvimento à população de Guaratuba e Caiobá, pois haveria um encurtamento das distâncias para todas as cidades da faixa litorânea catarinense e gaúchas. O novo caminho ligando o balneário ao porto de Paranaguá atrairia as frotas do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e São Paulo.
Lolô (centro) e a sua esquerda o advogado Luis Abes da Cruz (de óculos). |
Para realizar as obras do ferry-boat, o DER teve que superar muitos percalços e exigiu tenacidade de seu diretor geral. A obra pelo inusitado e por sua ousadia acabou contrariando os interesses locais, do prefeito Miguel Jamur, que desejava a construção de uma ponte, de moradores desapropriados das faixas dos trechos cortados pela estrada, que até então abrigavam casas de veraneio. A teimosia do diretor geral impulsionou a escolha do governador Lupion. Convencido dos altos custos da construção de uma ponte, Lupion autorizou Lolô a realizar as medidas cabíveis para a instalação, em caráter de urgência, do FErry-boat.
A Estrada da Destruição
De posse da documentação da Capitania dos Portos, Lolô indentificou a situação irregular dos terrenos e casas ao longo da orla. Dezenas de construções, sem o aforamento necessário, estavam sujeitas ao despejo.
Em uma dos trechos, depois de uma explosão de um terreno rochoso, rolou morro abaixo uma pedra, destruindo uma das casas da faixa litorânea. A partir deste momento, o caminho de acesso ao Ferry-Boat ficou conhecido como a Estrada da Destruição. |
Depois de avisar os proprietários da necessidade de abandonar suas casas, o diretor do DER e seus auxiliares se sentiram autorizados à desconsiderar as propriedades particulares na área por onde pretendiam conduzir as duas estradas, que somadas atingiam poucos quilômetros de extensão. As máquinas do DER avançaram abrindo caminho pelo declive, derrubando barro e pedras sobre as construções existentes no lado de baixo, sem pedir licença, sem dar a mínima satisfação a quem quer que seja. A desapropriação se deu sem indenização. Entre os desabrigados estavam o sogro de Lolô, José Lupion e o seu genro Dr. Moura Britto, que tiveram que se desfazer de suas casas de veraneio.
A desapropriação sem prévia indenização dos ribeirinhos dos dois trechos da estrada Guaratuba-Caiobá provocou pronta reação. Por duas vezes, terminou na justiça. Com apoio do prefeito, energicamente contrário ao Ferry-Boat, as famílias despejadas se juntaram à Irmandade Nossa Senhora do Bom Sucesso, de Guaratuba, que tinha a concessão do local e pediram o embargo das obras em nome da Santa da Nossa Senhora do Rocio. Lolô, sob orientação de um advogado do sudoeste paranaense, Luiz Abdes da Cruz, que o acompanhava os trabalhos do DER em sua região, interpelou a Santa a se justificar em juízo. Como ela não compareceu, arquivou-se o processo e as obras continuaram.
Lolô no trecho onde as casas foram demolidas pra dar lugar ao Ferry-Boat |
A Capitania dos Portos foi a responsável pelo segundo embargo da construção da estrada de acesso e infra-estrutura do Ferry-boat, alegando que a localidade era inviável para a realização do trapiche, tanto pela dificuldade causada pelas correntes marítimas, como pelas condições geográficas da baía, pois não suportaria o aterro necessário para a base do Ferry-Boat. Assim, os trabalhos do trapiche deveriam ser paralisados. Ignorando a intimação, o diretor-geral continuou a sua obra. Quando a Companhia conseguiu notificar o DER, o ferry-boat já estava pronto para funcionar.
Lolô (dir, com a mão na cabeça) estudando a área para o aterro, que se estendeu da ponta do tanino para direita. | Lolô (dir) e o técnico responsável pela batimetria. o 9º distrito do DER construiu os acessos e os trapiches. |
Inauguração
Por não existir um estaleiro em Guaratuba, o barco do Ferry-Boat foi lançado em Paranaguá, tendo como madrinha a Sra. Cleuza Cornelsen, esposa de Lolô. O governador Lupion, autoridades e convidados fizeram o passeio inaugural pela baía, com grande festa da população, que viu nessa viagem, o início de sua libertação.
Rebocador levando a caravela, como ficou conhecido o barco do ferry-boat, para a sua viagem inaugural em Guaratuba,. |
Com capacidade para 106 pessoas, a embarcação foi batizada com o nome de Ayrton João Cornelsen I, em homenagem ao seu criador, complementada pela nomeação da avenida de acesso. Por ter resolvido a situação de isolamento de Guaratuba, ter implantado a iluminação pública e construído a estrada Bem-Bem, Moyses Lupion e Cornelsen são lembrados até hoje na localidade. Foi erigido um busto em homenagem ao governador, no centro da praça principal de Guaratuba.
Cornelsen I em ação. | |
lançamento inaugural. | |
no dia 28 de setembro de 1960, foi inaugurada a travessia Caiobá-Guaratuba. | |
O Ferry-Boat - projetado, construído inteiramente nas oficinas do DER, por meio da administração direta - e a execução de estradas de acesso resolveram o problema de comunicação de Guaratuba com o resto do estado, e criou um novo centro de lazer e turismo no litoral paranaense.
Todo madeiramento utilizado nas obras do Ferry-Boat veio dos desmatamentos para aberturas das estradas do sudoeste - como a Estrada do Colono. Detalhe que ilustra bem como a administração de Lolô Cornelsen criava os recursos para o desenvolvimento de obras vitais para o Paraná, com autonomia financeira do orçamento estatal.
Inauguração do Ferry-Boat e da Av. Ayrton João Cornelsen, ao fundo. | Ampliação do sistema. Batelão pronto a ser lançado. No fundo, o Cornelsen I, em pleno funcionamento. |
bóia salva-vida da embarcação Cornelsen I |
A Estrada da Vingança - Lupion passou por aqui
Neste azarado governo do senhor Moyses Lupion (que felizmente já entrou na curva final de sua corrida rocambolesca) tudo pode acontecer, até o paradoxal e o impossível. Paradoxal e impossível porque encontrou a fórmula de cOmo se pode construir destruindo. Isto não é literatura barata nem ficção imaginária. Os fatos aí estão para confirmar que a história aqui relatada não é invenção nem intriga da oposição. Adolfo Soethe. | |
Fac-símile da reportagem de Adolfo Soethe, revista panorama, 1960, que critica a escolha do ferry-boat como meio de ligação entre as cidades de Guaratuba e Matinhos. Além de atacar ao governador Lupion, o repórter apontou a intolerância do comando de Lolô Cornelsen no desenvolvimento das obras. |
Em outubro de 1960, prestes a entregar o Ferry-Boat, a campanha contra o governo Lupion atingiu o seu auge com denúncias e calúnias. Mesmo as obras de reconhecido caráter emergencial e estratégico para o estado foram alvos de reportagens contrárias na imprensa local e nacional. A revista Panorama foi um dos principais veículos de comunicação do Paraná a atacar sistematicamente o governo Lupion. Os repórteres Ivar Feijó, Adolfo Soethe e Samuel Guimarães da Costa (este um pouco mais comedido em suas críticas) se destacaram em matérias que o acusaram de nepotismo até ao roubo e uso ilegal do sistema público. Uma ação coordenada por Ney Braga, então candidato oposicionista (e vitorioso) ao governo do estado, a campanha contra o governador respingou na gestão de Lolô.
as casas que não caíram com as obras, ficaram condenadas. |
O DER tinha em suas oficinas uma segunda embarcação pronta para ser lançada no mar. Contudo, não teve tempo de terminar a ampliação do sistema. Logo que assumiu o governo, Ney Braga desativou o Cornelsen I, por seis meses, alegando defeito no motor. O nome de Lolô, as placas de inauguração e de referência da obra foram retiradas e uma outra embarcação maior, a Iguaçu, foi posta em funcionamento.
Acir Braga[i][i] lamenta que o primeiro barco, feito totalmente nas oficinas do DER, de madeira, tenha sido desmontado no Porto de Paranaguá: Poderia ter sido preservado como peça de museu....
Representando o diretor geral do DER Lolô Cornelsen, Theodócio Atherino discursa durante a inauguração do Ferry-Boat, em 30 de setembro de 1960. |
Fotos
Lolô visita obras no trecho de acesso ao Ferry-boat, Guaratuba, 1959. |
lançamento do flutuador, Guaratuba, 1959. |
viagem inaugural da caravela Eng. Ayrton Cornelsen I. |
lançamento inaugural do ferry-boat a partir do estaleiro em Paranaguá, setembro de 1960. |
distrito construído pelo DER, Paranaguá. |
Viagem inaugural com a presença do secretário de governo Jose Muggiati Filho, de terno, no centro da foto. |
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